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O QUE É UMA RELIGIÃO CRISTÃ

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Quando fui solicitado que escrevesse sobre que características uma religião precisa ter para que seja considerada cristã, primeiro pensei que seria muito importante saber para quem estaria escrevendo isto. Não para maquiar minha explicação, mas para que fosse completamente compreendido. Em seguida, pensei que minha opinião pessoal não pode estar acima do que é a compreensão disso para algo superior. Daí ficou a questão: “Mas o que é esse ‘algo superior’?”. Bem, isso pode ser a instituição para a qual trabalho, poderia ser a minha própria consciência, mas isso ainda é pouco. Pode ser o que é uma questão humanitária global, não somente fora das fronteiras geográficas (diatopicamente), mas também fora da prisão do tempo (diacronicamente). Com isso, achei suficiente, mas ainda não satisfez. Creio que a mais importante definição do que é uma religião cristã deve ser aquela que agrada ao próprio Deus. Para que eu (na minha concepção cristã) atinja esse objetivo, devo pautar-me pelo exemplo de Cristo em seus atos e palavras, essencialmente demonstrados na Bíblia, as Sagradas Escrituras para os cristãos e cristãs.

De qualquer forma, como eu já registrei que meu pensamento pessoal não pode ser colocado acima de algo principal, quero falar das visões sobre essa questão que eu apreendo na minha caminhada como cristão e teólogo presbiteriano:

1. Igrejas cristãs históricas: Como faço parte de uma tradição histórica de igreja, chamada Reformada e Calvinista, que origina a experiência presbiteriana, percebo que há ainda muitas variações. Como se sabe, em toda agremiação eclesiástica – e creio que outras religiões também passam por isso –, há grupos mais fechados que outros, com interpretações mais fundamentalistas e petrificadas (sem trocadilho). Para grupos assim, há até mesmo a compreensão de que os católicos romanos já se afastaram tanto da Bíblia que nem têm o direito de serem mais cristãos. Outros levam em consideração o Credo Apostólico: uma vez que uma igreja recita o Credo e, por ele, faz a demonstração de sua fé e doutrina básica, deve ser considerada cristã. Institucionalmente, considero essa definição boa. Inclusive, como prática pastoral, não batizo novamente pessoas que se transferem de quaisquer comunidades cristãs que adotam o Credo Apostólico, para que não recaia no erro do duplo batismo. Ainda é muito limitada a compreensão de outra manifestação religiosa como cristã legítima fora dessa alçada nesse campo institucional. Essa, portanto, é uma visão institucional do tema.

2. Igreja Romana: Salvo visão em contrário, especialmente porque não falo do lugar de um cristão que vive sob a égide da Santa Sé, a Igreja Romana também tem sérias dificuldades de aceitar como cristãos legítimos aqueles que não fazem parte da sua comunhão. Visto ainda o ranço que há com relação à Reforma Protestante, mesmo após quase meio século. Muitas alas se esforçam para que superem os temas relacionados, como já houve a Declaração Conjunta a respeito da Doutrina da Justificação, assinada por católicos romanos e luteranos, mas muitas vezes deparamo-nos com documentos desafiadores. Sem contar a visão e atitudes do povo religioso mesmo. Se assim o é com as outras denominações, ouso afirmar que, para eles, é impossível classificar como cristã qualquer religião que seja fora desse contexto.

3. Movimentos ecumênicos: É bom saber que há vários tipos de movimentos denominados “ecumênicos”. A Legião da Boa Vontade (LBV) mesmo se autodenomina ecumênica e trabalha com várias vertentes de religiosidades diversas. Creio que, nesse contexto, admitir que uma religião é cristã, mesmo fora do âmbito eclesiástico, é mais natural. Quero falar, todavia, do movimento ecumênico cristão. Nesse ambiente, o termo “ecumênico” (o que vem da tradução de “oikoumene” – transliteração para o grego –, que quer dizer “mundo habitado”) relaciona-se com os cristãos de igreja. Sendo assim, quando há um trabalho ecumênico, estarão reunidos cristãos de denominações variadas, incluindo os católicos romanos ou ortodoxos. Para igrejas que não aceitam “misturar-se” com padres e afins, há o termo “interdenominacional”, e chegam a “demonizar” o termo ecumênico ou quem se diz ecumênico no meio cristão. Para o mundo ecumênico que considera a palavra uma reunião de cristãos, há a utilização do termo “inter-religioso” para um ato realizado com pessoas de outras manifestações religiosas.

4. Pessoalmente creio que Deus está para além de nossas instituições, de nossos “envelopamentos” da sua compreensão, da determinação que muitos de nós teimam em fazer da ação de Jesus Cristo como aquele que veio ao mundo para nos aproximar do Pai Todo-Amor. Creio, pessoalmente, reforço – e para além de todas as atitudes que devo realizar como membro de uma instituição cristã, mas sabedor de que, repito, Deus é maior que isso tudo –, que Deus não deve estar preso em nossas compreensões culturais, que Ele se manifesta pela Bíblia, por meio de um povo escolhido por ele para traçar o caminho de chegada de Jesus Cristo (o centro dessa religiosidade “cristã”, por isso esse nome, logicamente), mas que, acima de tudo, não está encerrado nisso. Por essa razão, tenho plena convicção de que devemos (como participantes de igrejas) pautar nossa compreensão por meio do texto sagrado da Bíblia, livro que mostra a vontade de Deus para nós, mas, além disso, é importante saber que o livro mais significativo que Deus escreveu (e segue escrevendo) é a própria vida. Por esse livro, sem a menor dúvida no meu coração, e até mesmo com a iluminação do outro livro: a Bíblia, percebemos que há tantos cristãos que não estão dentro de igreja. Há muitos cristãos, irmãos e irmãs, partilhando o mesmo amor de Cristo por meio de outras manifestações religiosas. Há inúmeras pessoas que não são de igreja, mas que por suas palavras, por seus olhares, por seus exemplos, por sua misericórdia, solidariedade, senso de justiça e, acima de tudo, amor, estão propagando esse Jesus Cristo. Não há, nem pode haver, religião (como instituição) que deva prender para si a “patente” do amor de Cristo, seu nome, sua primazia. Os que assim o fizerem estarão, essencialmente, negando a Cristo. Por isso, dentro do meu coração, vejo como cristãos aqueles irmãos e irmãs que, da sua maneira, fazem a vontade de Jesus e propagam seu amor aos que estão próximos. Afinal, a oração de Jesus é que todos possamos ser um, a fim de que o mundo creia (João 17.21). Nesse sentido, buscar separação e segregação, afastar pessoas e grupos, além de ser um retrocesso, é uma desobediência ao desejo do Mestre Jesus Cristo.

Para finalizar essas breves palavras e reforçar com texto das Sagradas Escrituras cristãs, a Bíblia, a Palavra de Deus, corroborando o que acabamos de refletir, deixo o que disse o próprio Jesus Cristo no texto de João, o evangelista, para nossa reflexão:

“Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; também me convém agregar estas, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um Pastor.” (João 10.16)

Com isso, creio estar buscando a vontade de Deus, a visão de Deus, para a avaliação de uma religiosidade genuinamente cristã. Jesus mesmo sabe que suas ovelhas não estão somente nesses apriscos que são as igrejas. Acredito que até mesmo algumas estão fora delas para manter sua sanidade mental, visto as loucuras que encontramos em muitas, lamentavelmente e que Deus nos perdoe. Assim, rogo que Ele mesmo continue a nos orientar para que vejamos as atitudes cristãs acima de nossas instituições. Pessoas, vidas, almas são mais importantes que coisas, organizações, prédios, relatórios.

Post Scriptum: sobre a mais notada manifestação de igrejas atualmente, aquela comandada por empresários que se autodenominam “pastores”, e que é chamada pela sociedade de “evangélica”, agregando a mais diversa forma de pensar e agir, à qual desejo muito não ser incluído nem com a qual confundido, reservei-me o direito de nem necessitar falar, já que sua visão, logicamente já conhecida por todos, é de rechaço incondicional às outras formas de manifestação religiosa. Já são assim com igrejas diferentes das suas, portanto, fica lógico seu pensamento sobre os outros religiosos. Perda de tempo debruçarmo-nos sobre isso.

Rev. Sandro Xavier

Teólogo presbiteriano

Primavera de 2015

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  • Este texto, já de quase uma década, foi-me pedido para apresentar em um encontro de outra religiosidade. Compartilho com vocês na íntegra e, abaixo, segue a imagem da coluna “Opinião”, do Jornal de Brasília, publicada em 29 de março de 2019, com um resumo das ideias que foram escritas acima.

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